17/11/10

Padrões manuelinos e latas de conserva vazias

Já sei que o protagonista toma parte na Guerra Colonial, é o médico e acompanha uma tropa que foi movida a Angola. As descrições de pobre país africano, sujo cais e miséria de bairros de Luanda misturam-se com os sentimentos do protagonista que não  nenhum senso nessa guerra. Não a trata como “sua”, não a critica directamente nem com força (pelo menos nos primeiros capítulos)... Mas fala dela com certa dose de despeito e da ironia :

“..em toda a parte do mundo a que aportamos vamos assinalando a nossa presen
ça aventureira através de padrões manuelinos e de latas de conserva vazias, numa subtil combinaçã
o de escorbuto heróico e de folha-de-flandres ferrugenta..”.
Ou talvez isso j
á é uma crítica forte?- Chamar os grandes feitos da raça portuguesa, os descobrimentos e a cristianizaçao “presença aventureira”?! Sra. Kalewska não estaria satisfeita com isso..
Agora, mais a s
ério.. O protagonista está insatisfeito de ser levado da sua casa em Lisboa e movido a terra Africana:  “[...]um sentimento esquisito de absurdo, cujo desconforto persistente vinha sentido desde a partida de Lisboa.”
Absurdo, absurdo e uma vez mais absurdo da guerra : “..vi os soldados correrem de arma em punho [...] e depois as vozes, os gritos [...] tudo aquilo, a tens
ão, a falta de comida decente, os alojamentos precários, a água que os filtros transformavam numa papa de papel-cavalonho indigesta, o gigantesco, inacreditável absurdo da guerra, me fazia sentir na atmosfera irreal, flutuante e insólita, que encontrei mais tarde nos hospitais psiquiá
tricos..”.Procurando alguma informação sobre a literatura portuguesa da guerra colonial, encontrei na página de http://coloquio.gulbenkian.pt um texto de Luís Mourão, texto, que na verdade constitui uma recensão da obra “A Guerra Colonial e o Romance Português” de Rui de Azevedo Teixeira. Esse livro constitui o primeiro estudo de algum fôlego sobre o romance português cuja temática se liga directamente à guerra colonial. O autor analisa os oito romances entre quais situa-se também a nossa leitura- “Os Cus de Judas”, por isso achei isso interessante.
Autor desenha uma tese que a literatura portuguesa da guerra colonial, sobretudo no pós-25 de Abril, “se deixa resumir numa agonia colectiva e numa catarse individual.”. Segundo o autor, as carater
ísticas gerais desses textos (também de “Os Cus de Judas”) são : a guerra denunciada como absurdo e o erro do regime, com consequentes sentimentos de culpa, exercícios de desmistificação e mesmo de autopunição; “a guerra como sintoma de decadência de uma portugalidade que se ausculta apartir dos mitos e/ou das situações da nossa história”. Isso refere-se perfeitamente ao nosso protagonista. Tenho ideia que ele tenta afastar se da Guerra e fugir do absurdo dela mergulhando nas suas lembranças e nos pensamentos todos os dias:
“..lutando contra um inimigo invis
ível, contra os dias que se não sucedem e indefinidamente se alongam, contra a saudade, a indignação e o remorso, contra a espessura das trevas opacas tal um véu de luto, e que puxo para cima da cabeç
a a fim de dormir..”.Estou curiosa o que vocês acham sobre esses “padrões manuelinos e latas de conserva vazias”?

*(o link para o texto de Luís Mourão http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/issueContentDisplay?n=157&p=438&o=p )

1 comentário:

  1. É boa a referência ao artigo de Rui Azevedo Teixeira e as suas palavras revelam-se significativas para compreender a obra de António Lobo Antunes.

    No que vale a pena reflectir é se a catarse de que fala o autor do artigo acontece nesta obra?

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