17/11/10

Experiências da guerra

“Se a revolução acabou, percebe? [...] nós, os sobreviventes, continuamos tão duvidosos de estar vivos que temos receio de, através da impossibilidade de um movimento qualquer, nos apercebemos de que não existe carne nos ossos gestos nem som nas palavras que dizemos, nos apercebemos que estamos mortos..”.
Se a Guerra acabou? Como agora voltar a casa depois de ver tantas mortes, tantos cadáveres, as inocentes crianças de Angola?
Como voltar à vida normal? Ou talvez “normal”... entendem?
O que vai ser normal depois de experiências da guerra..?
“[...]
Os nomes vazios e inequívocos:         To są nazwy puste i jednoznaczne: 
O homem e o animal                           Człowiek i zwierzę 
O amor e o ódio                                   Miłość i nienawiść 
O inimigo e o amigo                            Wróg i przyjaciel 
A escuridão e a luz.                              Ciemność i światło. 
 
Mata-se um homem como um animal Człowieka tak się zabija jak zwierzę 
Eu vi:                                                     Widziałem: 
Furgões de homens cortados               Furgony porąbanych ludzi 
Que não vão ser salvos                        Którzy nie zostaną zbawieni. 
 
Os termos são só as palavras:              Pojęcia są tylko wyrazami: 
A virtude e a delinquência                    Cnota i występek 
A verdade e a mentira                          Prawda i kłamstwo 
A beleza e a feiura                                Piękno i brzydota 
A bravura e a covardia.                         Męstwo i tchórzostwo. 
 […]
Procuro um professor e mestre              Szukam nauczyciela i mistrza 
Que me recupere visão audição e fala Niech przywróci mi wzrok słuch i mowę 
Que chame mais uma vez as coisas     Niech jeszcze raz nazwie rzeczy

e os termos                                            i pojęcia 
Que separe a luz da escuridão.            Niech oddzieli światło od ciemności.
[...]” 

„Salvo”/”Ocalony” de Tadeusz Różewicz 
Minha tradução imprerfeita, desculpem-me, mas achei esse poema adequado a temática, porque constitui uma análise do estado da mente humana, mente de um homem que experienciou a queda dos valores, da religião e da ética.
A guerra, qualquer que seja, sempre denuncia o mal do nosso mundo. Os valores acabam de existir, a civilização prova a sua impotência em relação a violência.. Homem é condenado a existência sem valores e praticamente sem senso, sem alvo.
O protagonista de “Os Cus de Judas” sente-se resignado e solitário, começa a falar do seu medo, do perigo duma morte:
“..eu não quero morrer, tu não queres morrer, ele não quer morrer, nós não queremos morrer, vós não quereis morrer, eles não querem morrer...”.
Gosto muito dessas repetiçoes que ainda mais acentuam certos sentimentos e  coisas. Gosto como Lobo Antunes consegue falar do medo humano sem por na boca do protagonista palavras “tenho medo” mas ... mostrando fraqueza humana na situações simples: “...embarquei a 6 de Janeiro e na noite do fim do ano tranquei-me no quarto de banho para chorar, um boli-rei impossível de engolir entupia-me na garganta...”.

“Talvez que a guerra tenha ajudado a fazer de mim o que sou hoje e que intimamente recuso: um solteirão melancólico a quem se não telefona e cujo telefonema ninguém espera, tossindo de tempos a tempos para se imaginar acompanhado, e que a mulher a dia acabarà por encontrar sentado na cadeira de baloiço em camisola interior, de boca aberta, roçando os dedos roxos no pêlo cor-de-novembro da alcatifa.”..

Que sinceridade e resignação.. O que vocês acham, por que a guerra fez do protagonista ‘solteirão melancólico’? Pois ele teve a mulher e a criança que esperavam ao seu regresso da Africa..
Espero encontrar uma resposta durante a leitura.

2 comentários:

  1. «Se a Guerra acabou? Como agora voltar a casa depois de ver tantas mortes, tantos cadáveres, as inocentes crianças de Angola?
    Como voltar à vida normal? Ou talvez “normal”... entendem?
    O que vai ser normal depois de experiências da guerra..?»

    Referindo-me a tuas perguntas cito outro trecho de Os Cus de Judas:
    «Como é que te vais aguentar em Lisboa depois dos cus de Judas? (…)
    – Nas calmas – respondi-lhe, afastando com a mão os cadáveres estilhaçados na
    picada. – Tu próprio certificaste que tenho o sangue limpo. (Antunes, 2004: 190)».
    Que cinismo! Aparentamente, nada mudou - até os exames de sangue provam que o protagonista não traz consigo para Portugal nenhuma doença. Mas debaixo destas aparências, se olharmos para dentro, todo o mundo, todo o universo ficou demolido, destruido. Não o mundo real, claro, mas o universo dos valores.

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  2. Muito boa a ideia de trazer para a conversa um poema do Rozewicz. Mas não chega trazê-lo, pô-lo e dizer duas linhas sobre ele. É preciso identificá-lo devidamente, falar mais sobre ele, talvez as circunstâncias que rodeiam a sua criação, analisar os seus sentidos e compará-los em mais pormenor com a obra de António Lobo Antunes. Ambos falam sobre a guerra, mas a perspectiva é diferente. Porque, lembra-te que só vocês estão em condições de criar pontes entre a literatura portuguesa e a literatura polaca e é fundamental que isso seja feito e bem feito. Portanto, quando apenas dedicas 2 linhas e meio de comentário ao poema, há uma oportunidade que se desperdiça.

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