17/11/10

Lembranças dispersas

De certeza vocês já repararam que o protagonista com certa frequência menciona os nomes dos atores famosos, escritores, também os símbolos/ imagens que tomam parte das lembranças dele. Assim aparecem Humphrey Bogart, Scott Fitzgerald, Mae West, a equipa de Benfica, o cartaz de "Che" Guevara no seu quarto e muitos, muitos outros...
Quem de nos não traz na sua memória os heróis da infância? O texto da canção preferida, o titúlo do filme que vimos 100vezes, o nome do ator/atriz/cantor/cantora/desportista/etc. com quem estavamos apaixonados na escola secundária?
Tudo isso são as coisas que em alguns etapas da vida foram para nos importantes, interessantes, que lembram-nos dos tempos mais felizes talvez.
E por que o protagonista volta a essas memórias, esses símbolos no seu monólogo complicado?
Tenho uma ideia... Talvez essa conotação seja errada, vamos ver.
Alguém leu “A Misteriosa Chama da Rainha Loana” de Umberto Eco? É a história dum vendedor especializado de livros antigos, que perde a memória e começa a reconstruir a sua história. O narrador passa por muitas referências de literatura, história, filosofia, religião, política...O protagonista vai se descobrindo a partir de objectos, livros juvenis e infantis, cadernos escolares, revistas de quadrinhos etc.

O que quero dizer com isso? Tenho ideia que a guerra mudou e influenciou o protagonista tanto,  que nem ele próprio sabe quem é na verdade. Talvez voltando as suas lembranças, inconscientemente tenta descobrir quem foi ou quem é.
Porque perdeu-se no absurdo da guerra, quer reconstruir o que lhe dava prazer, o que foi importante. Quer voltar ao periodo mais feliz: antes da guerra.
Alienado e solitário na terra africana, longe da família, amigos, casa e tudo o que foi precioso para ele, só pode voltar às memórias e reconstruir delas quem foi/ quem é.
O que vocês acham sobre minha teoria ?;)

3 comentários:

  1. Sinceramente, é uma teoria interessante. Infelizmente, não li aquele livro de Umberto Eco, mas concordo que as nossas obras artísticas favoritas, os nossos ídolos, as nossas preferências, aliás, todo com que nos encontramos durante a vida participa, de qualquer modo, na nossa formação, na construção da nossa identidade e personalidade. Por isso a tua ideia de que através das referências culturais o narrador de Os Cus de Judas tenta reconstruir quem foi antes da guerra parece-me válida e relevante.

    ResponderEliminar
  2. Eu também não tinha possibilidade de ler este livro de Umberto Eco, mas a tua idéia é para mim muito inovadora e interessante. Já pensei muito sobre o significado da existência de tantas referências à arte, e não encontrei nenhuma resposta que me satisfaça. A tua explicação parece-me muito provável, porque, como já mencionei no meu blogue, finalmente rejeitei a ideia de que a escrita poderia ser uma terapia para o protagonista, porque encontrei fragmentos do texto cheios de raiva e falta de autoestima (ou até o ódio), que com certeza não ajudam o protagonista, pelo contrário - fortalecem os sentimentos negativos dentro da sua alma.
    Por isso gosto muito da tua ideia, e o livro que citas interessou-me tanto, que já sei o que vou ler durante as próximas férias :)

    ResponderEliminar
  3. Concordo com vocês, também seria bem relacionar esta tua teoria com a anamorfose. O protagonista tenta ver o que realmente é, mas para conseguir ver a sua totalidade tem de mudar de perpetiva, ver a si mesmo de vários ângulos. A anamorfose do seu olhar torna o processo de autodefinição mias objectivo.

    ResponderEliminar