20/12/10

reflexão sobre a anamorfose

No artigo de Maria Cristina Chaves de Carvalho (pubicado no meu blogue alguns dias antes) falta-me alguma ordem: a autora podia já no início apresentar uma explicação o que é a anamorfose. Ainda bem que essa explicação aparece:

“A anamorfose é uma rubrica das artes plásticas e representa uma figura, um objeto ou uma cena de maneira que, quando contemplada frontalmente, torna-se distorcida e até mesmo irreconhecível, aparecendo com nitidez somente quando vista de um determinado ângulo, a certa distância, ou ainda com o uso de lentes especiais, ou com a ajuda de um espelho curvo.”

Acho que é mais fácil explicar o fenômeno da anamorfose na literatura começando com os exemplos nas artes plásticas. Aqui alguns exemplos (infelizmente não conheço nem títulos nem nomes dos autores, encontrei os quadros no artigo sobre a anamorfose: http://antropologia-literatury.blogspot.com/2010/05/spotkanie-xliv-anamorfoza-w-literaturze.html)


Podemos observar que o conteudo/ o tema muda: depende o que vamos achar o foundo e o que vai servir de ponto central. Assim no primeiro quadro podemos ver uma mulher na rua ou (se vamos mudar da perspectiva) uma cara.
Alguns tratam a anamorfose como um truque óptico mas ela serve também como uma chave para ver uma outra realidade que está oculta. O nosso mundo nem sempre é o que parece ser, basta mudar um pouco a perspectiva e podemos ver outras coisas. A anamorfose exige de um expectador/ leitor um esforço intlectual, habilidade de ver em várias dimensões. Mostra que muitas as vezes rendemo-nos a uma ilusão.
Na literatura, como assegura a autora do artigo, a
anamorfose é o discurso do espectador, pois neste caso há algo na obra de arte que lhe é ocultado, impelindo aquele que a aprecia a participar de sua feitura. No caso da pintura como da literatura muito depende do receptor/leitor: se vai captar a ilusão, uma outra dimensão.
Admito que para mim é muito mais fácil descobrir a anamorfose numa obra plástica do que num texto literário. Infelizmente o artigo de
Maria Cristina Chaves de Carvalho  já não apresenta nenhuma definição clara como é construida a anamorfose numa obra literária, em que reside. No caso do Livro “Os Cus de Judas” será que toda a Obra pode constituir uma grande anamorfose? Tenho a ideia que o leitor tem que encontrar entre todas as múltiplas histórias, algum centro, algum ponto central (como na anamorfose nas artes plásticas) para ser capaz de encontrar uma visão que o autor preparou. Acho que o protagonista do livro serve como uma prisma- foca todas as histórias e todos os enredos que contados por ele criam uma dimensão nova, um outro fundo. É só a minha reflexão, não sei bem se é certa.

14/12/10

questão de anamorfose

Encontrei um texto interessante sobre a anamrofose nos romances de António Lobo Antunes e queria partilhá-lo com vocês.

“A expressão da anamorfose – como forma modificada da escrita ou como reescrita textual da matéria narrada – pode ser configurada como um procedimento estético que permeia algumas narrativas de António Lobo Antunes. ALA obriga o leitor a
deslocar-se no texto diante de suas múltiplas histórias, as suas e as dos outros. Esse processo criativo pode ser compreendido como uma perspectiva em anamorfose. Severo Sarduy esclarece:

“Dilatação de um contorno e duplicação do centro: ou antes, deslizar programado do ponto
de vista, desde a posição frontal até esse ponto máximo de lateralidade que permite a
constituição de uma outra figura regular: anamorfose. (SARDUY, 1988:65)
Embora António Lobo Antunes exponha, em seu processo singular de criação, toda a construção do tecido literário, parece buscar de modo obsessivo o “regresso a si mesmo” (SARDUY, 1988:54), isto é, a revisão de seus procedimentos de escrita,
demonstrando simultaneamente uma preocupação com a descoberta do outro, que se mostra ou é visto em imagem distorcida ou anamórfica.
Em outro ensaio de Severo Sarduy, intitulado “La simulación”, o autor assegura
que a anamorfose é o discurso do espectador, pois neste caso há algo na obra de arte que lhe é ocultado, impelindo aquele que a aprecia a participar de sua feitura. A anamorfose é uma rubrica das artes plásticas e representa uma figura, um objeto ou uma cena de maneira que, quando contemplada frontalmente, torna-se distorcida e até mesmo irreconhecível, aparecendo com nitidez somente quando vista de um determinado ângulo, a certa distância, ou ainda com o uso de lentes especiais, ou com a ajuda de um espelho curvo. Para Sarduy,
A anamorfose e o discurso do espectador como forma de ocultação: algo que se oculta ao
sujeito – e daí o seu mal estar – e não pode ser lido, revela mais que uma mudança de lugar.
O sujeito está implicado na leitura do espetáculo, na tradução do discurso, precisamente
porque isso que de imediato não consegue ver ou ouvir o transforma diretamente no sujeito.
O inquietante é que a relação frontal do sujeito ao espetáculo não possa ser considerado
como algo adquirido com a certeza de uma premissa. (SARDUY, 1999: 1276-77)

Desse modo, cabe ao leitor deslocar-se no texto porque precisa constantemente
retomar vários aspectos da narrativa, juntar os relatos a partir de memórias
fragmentadas, e situando-se em tempos e espaços que se superpõem ao longo de todo o romance. Esse modo não habitual de tratar a palavra pode ser compreendido neste estudo a partir da etimologia da palavra “anamorfose”, pois “morfose” significa a aquisição de uma forma, enquanto anamorfose, quer dizer “formado de novo”. Portanto, todo o processo de criação do autor culmina em metamorfose, pois esta implica a mudança completa da forma. Logo, as vozes que pertencem a essas personagens cujos “vagos rostos” são informes, fazem parte de uma narrativa marcada por uma perspectiva em anamorfose, cuja escrita indefinida se mantém em um processo contínuo de mudança, desdobrando-se em metamorfose.”


Fragmento do texto “A ANAMORFOSE NA ESCRITURA DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES” de
Maria Cristina Chaves de Carvalho (Doutoranda em Literatura Comparada da Universidade Federal Fluminense (UFF).)

12/12/10

António Lobo Antunes: Crónicas

As crónicas de António Lobo Antunes constituem um quadro da sociedade lisboeta e na minha opinião também um quadro da classe média do séc. XXI. Encontramos nelas as descrições das vivências quotidianas e dos acontecimentos mais ou menos banais.
“Entre o kitsch da pequena burguesia consumista, o tédio dos domingos, o peso do vazio e o desencanto, o nevitável fracasso das relações amorosas, o que Lobo Antunes aqui nos propõe é a lúcida deambulação através de um universo de aprisonamento e a visão amarga, corrosiva duma sociedade em processo de mutação.” (Maria Graciete Besse em: http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/issueContentDisplay?n=149&p=437&o=p )
As crónicas descrevem a classe media portuguesa especialmente o ambiente lisboeta e o quotidiano. Lobo Antunes apresenta-nos uma realidade triste, não a vida mas a vegetação. Os protagonistas desses textos vivem numa ilusão da felicidade, numa  ilusão que as coisas materiais vão garantir alegria, felicidade, paz e amor em casa, assim como o protagonista do texto “A propósito de ti”. O narrador em primeira pessoa fala : “Somos felizes. Acabámos de pagar a casa [...]. Somos felizes: preferimos a mesma novela [...].Somos felizes. A prova de que somos felizes é que comprámos o cão [...].”.  As repetições introduzem um tom obsessivo, criam um clima inquietador. Esta obsessividade gira completamente em torno da relação do protagonista com a mulher. Onde é que está essa felicidade? O protagonista tem a casa, comprou várias coisas ainda o cão. Mas falta algo nesse quadro “perfeito”... Perdeu-se o amor. Perderam-se as paixões, as coisas que dão o senso à vida. Sem elas a vida torna- se uma vegetação, uma existência obscura e miserável. As pessoas continuam num sofá em frente da televisão. E que típo de existência é essa?
 "Na realidade é um Portugal tristíssimo, e quem o descreve năo ignora que dele tem uma saudade antecipada porque tudo o que morre, por igual, nos pertence. Daí que haja em contraponto, para lá da comicidade grotesca ou patética de certas situaçőes, uma espécie de angústia opressora que nasce dessa frustraçăo resignada que é afinal tăo tragicamente portuguesa, e constitui como que o bilhete de identidade dum país inteiro.” (
in Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano XV, nş642, Maio de 1995)
Lê-se muito bem as crónicas de Lobo Antunes. O seu caráter universal e intemporal faz que a realidade apresentada pode ser recebida bem pelo um leitor português mas ao mesmo tempo também pelo um leitor polaco. Os pormenores, os pequenos hábitos constituem as fotografias dos nossos tempos.

Os Cus De Judas: As impressões finais


Na história do protagonista aparecem os raios de esperança que nem tudo está perdido. O primeiro raio é a mulher angolana: Sofia. Quando o protagonista fala dela o mundo parece ter mais cores, desaparecem os horrores da guerra colonial..
“A tua casa, Sofia, cheirava vivo, a coisa viva e alegre como o teu riso repentino, a coisa quente e saudável e delicada e invencível [...].” Aparece uma chance da vida normal, chance de combater a inquietação e insegurança que cresceram no coração do homem. Infelizmente... Sofia acaba violada com “o bilhete para Luanda”.
Uma mais morte absurda nessa guerra sem senso. A morte que marca o protagonista profundamente e ele não pode fazer nada para diminuir o seu sofrimento. A história de Sofia constitui uma crítica relevante sobre os atos irracionais que não trazem benefício nenhum. Uma crítica da guerra privada do senso, a guerra que os soldados não reconheciam como sua e regressaram marcados profundamente com a culpa, a vergonha e os remorsos dos seus actos.
Assim o livro de António Lobo Antunes constitui uma crítica social e política e ao mesmo tempo o estudo sobre os efeitos devastadores, a impossibilidade do amor e da readaptação.